sexta-feira, 30 de maio de 2008

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“O mundo é minha representação, pois é puro fenômeno ou representação. O centro e a essência do mundo não estão nele, mas naquilo que condiciona o seu aspecto exterior, na coisa em si do mundo, a vontade.”

Todas as coisas, seja orgânica, inorgânica, ou consciente, são formas de objetivação dessa vontade. A vontade é o princípio fundamental da natureza, o substrato de todas as forças representadas nos fenômenos, no instinto sexual, no crescimento das plantas, nas pedras, enfim, no perpétuo movimento de vida e de morte.
Da vontade da vida provém todo o sofrimento, que é intrínseco à existência. Somente às aspira àquilo que não se tem: da falta do objeto desejado segue-se o sofrimento. Contudo, o prazer obtido pela satisfação do desejo é momentâneo, pois este abrirá caminho para novos desejos, sempre obstados, sempre em luta para obter sua satisfação. A felicidade não é senão o momento fugaz da ausência de infelicidade.


“É uma verdade incrível como a existência da maior parte dos homens é insignificante e destituída de interesse, vista exteriormente, e como é surda e obscura sentida interiormente. Consta apenas de tormentos, aspirações impossíveis; é o andar cambaleante de um homem que sonha através das quatro épocas da vida, até à morte, com um cortejo de pensamentos triviais. Os homens assemelham-se a relógios a que se dá corda e trabalham sem saber a razão. E sempre que um homem vem a este mundo, o relógio da vida humana recebe corda novamente, para repetir, mais uma vez, o velho e gasto estribilho da eterna caixa de música, frase por frase, com variações imperceptíveis.”


Mas ao contemplarmos a nós mesmos, ao nos descobrirmos joguetes da vontade, estamos, com isso, contemplando a verdade do drama cósmico da existência. Vemo-nos, agora, como emanações de uma só vontade, e os interesses de cada indivíduo passa a ser iguais aos de todos os demais, pois o egoísmo é decorrente apenas da ilusão de vontades independentes que buscam cegamente sua realização.

“Quando a ponta do véu de Maia (a ilusão da vida física) se ergue diante dos olhos de um homem de tal modo que já não faz diferença egoísta entre si mesmo e o restante dos homens, e interessa-se pelos sofrimentos dos outros como pelos próprios, tornando-se assim caritativo até à dedicação, pronto a sacrificar-se pela salvação de seus semelhantes, este homem, chegado assim ao ponto de reconhecer a si mesmo em todos os seres, considera como seus os sofrimentos infinitos de tudo quanto vive, e apodera-se, desta forma, da dor do mundo. Nenhuma miséria lhe é indiferente, todos os tormentos que vê e tão raramente lhe é dado amenizar, todas as angústias que ouve falar, inclusive aquelas que lhe é possível conceber, perturbam-lhe o espírito como se fosse ele a vítima. Insensível às alternativas de bens e de males que lhe sucedem em seu destino, livre de todo o egoísmo, penetra os véus da ilusão individual; tudo quanto vive, tudo quanto sofre, está igualmente junto de seu coração. Imagina o conjunto das coisas, a sua essência, a sua eterna passagem, os esforços vãos, as lutas íntimas, e os sofrimentos intermináveis; para qualquer coisa que se volte, vê o homem que sofre, o animal que sofre, e um mundo que se desvanece eternamente. E une-se tão estritamente às dores do mundo como o egoísta a si mesmo. Como poderia ele, com tão grande conhecimento do mundo, afirmar com desejos incessantes a sua vontade de vida, e prender-se cada vez mais estreitamente à vida?”

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Arthur Schopenhauer

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